domingo, 13 de abril de 2008

A Lenda de Maní

A Lenda de Maní( Lenda tradicional da Amazônia, recontada por Esperança Alves* )

"Há muito tempo, na Amazônia, em uma tribo indígena, pertencente à ancestral matriz Tupi, a mais bela “ cunhãtã” , filha do cacique, apareceu grávida, misteriosamente. O pai, muito contrariado por sua filha trair os costumes do seu povo, afinal não estava prometida a nenhum jovem guerreiro, quis sacrificá-la à “ Tupã” , mas, foi detido de seu intento, após um sonho. Neste, um homem branco lhe apareceu comunicando a inocência da mãe virgem, escolhida para uma importante missão.
Passadas 09 luas, a mãe deu à luz uma linda menina, muito alva, a quem deu o nome de " Maní ". De início, todos acharam muito estranho a cor diferente de sua pele, mas com o tempo foram se acostumando, se encantando e vendo graça e beleza naquela criança por quem aprenderam a nutrir grande amor e respeito.
Um dia, misteriosamente, “ Maní” morreu sem ter adoecido. A comunidade inteira ficou desolada. A mãe e o avô ficaram muito, muito tristes. O Conselho das mulheres mais velhas orientou e cuidou de enterrá-la no centro da maloca do avô.
Dia e noite a mãe chorava sobre a sepultura de “ Maní” . Depois de certo tempo, para surpresa de todos, do chão brotou uma pequena e desconhecida planta. E o mais espantoso foi mesmo quando a terra se abriu e apareceram grandes e belas raízes. Um a um foi chegando para ver a grande novidade. Com grande apreensão e respeito colheram as raízes, percebendo que, por dentro, elas eram "branquinhas", pelo que imediatamente associaram com o corpo de “ Maní”. Acreditaram ser uma nova manifestação de sua vida. Por isso, deram-lhe o nome de " Maní-oca ", que significa casa ou corpo de “ Maní” , na língua tupi.
A partir de então, nunca mais a população daquela aldeia Tupi passou fome, tornando-se a “ maní-oca”, ou mandioca, seu principal e sagrado alimento.
Saiba...
A mandioca tem um enorme valor cultural, não só na Amazônia, mas para toda a América do Sul, sendo encontrada do Norte da Argentina até o sul do México. Vários pesquisadores levantam a hipótese de sua domesticação ter se dado na região Amazônica com povos pertecentes ao tronco linguístico-cultural Tupi-Guarani, estes por sua vez, também sendo originários da mesma região (Pau-Brasil / org. Eduardo Bueno. – São Paulo: Axis Mundi, 2002).
Segundo a matéria “Mandioca, O Pão dos Trópicos” – Revista Ecologia & Desenvolvimento nr. 109, texto de “Nestor Cozetti e Aline beckestein”, ao todo, são encontradas 160 espécies de mandioca, sendo que 130 no Brasil, constituindo-se em principal alimento energético para 500 milhões de pessoas, sobretudo nos países em desenvolvimento, onde é cultivada em pequenas áreas e com baixo nível de tecnologia; Um terreno ocupado pela raiz da mandioca produz alimento em quantidade seis vezes superior à que produziria se ocupado pelo trigo, além de ser resistente e capaz de germinar em qualquer tipo de terreno, estando presente, em sua forma comum, em todas as lavouras de agricultura familiar - o que faz com que ela seja vista hoje por pesquisadores como solução para o combate à fome ; É o caso do pesquisador “Nagib Nassar” – PhD em genética e morfologia vegetal, professor agrônomo da Universidade de Brasília (UnB) – que vem desenvolvendo pesquisas nos últimos anos, com resultados exitosos, com fins de aumentar o teor nutricional da mandioca de 1,5% para pelo menos 5% de proteínas, com maior resistência à doenças, bactérias e vírus, cruzando espécies silvestres - que podem conter até 8% de proteína – com a mandioca comum – cujo teor máximo é de 1,5%.
Na Amazônia de hoje, a mandioca é indispensável e sagrada para a maior parte da população, servindo como fonte de alimentação e renda para as comunidades tradicionais, como também nas áreas urbanas: insumo básico para uma grande variedade de pratos e alimentos típicos como a tapioquinha, o beiju e o tacacá, sendo, no Pará, parceira indispensável para o consumo do vinho do Açaí - outra planta que tem origem mítica na cultura Tupi, e representa também o arquétipo da “Grande-Mãe Virgem”.
Tradicionalmente, aqui no Pará, o vinho do açaí é servido na Cuia - o nosso “Cálice Amazônico” - com farinha de mandioca, nas suas diversas modalidades (tapioca, farinha d'agua ... ) e vale por uma refeição completa. Em forma de “pão e vinho”; duas divindades femininas do Povo ancestral Tupi, se doam em “sacrifício”, diariamente, para milhares de amazônidas, como também a todos que aqui chegam e se permitem a divina “Comum-União”.
Saiba mais...
• Lendas e Mitos da Amazônia: concurso de monografias "José Coutinho de Oliveira". - Rio de Janeiro: s.n., 1985. Lançado pela Delegacia do MEC no Pará.
1º lugar: Ararê Marrocos Bezerra, com "Lendas e Contos de Irituia".
2 º lugar: Ana Maria T. de Paula, com "Lendas e Mitos da Amazônia".
• O Conto Caeteuára – A Lenda da Mandióca (Maní-Oca ou Cabâna de Maní) / Cesar Pereira. - Revista Bragança Ilustrada, 1958. Consulta ao Acervo Particular de Aviz de Castro.
• Mandioca, O Pão dos Trópicos / Nestor Cozetti e Aline Beckestein. – Revista Ecologia & Desenvolvimento, nr. 109.
• Raízes do Brasil / Sérgio Buarque de Holanda. - São Paulo: Cia das Letras, 1997.
* Esperança Alves – Educadora, Focalizadora de Danças Sagradas; Pesquisa as Danças, História, Mitologia e Espiritualidade dos Povos; Tem Iniciação em Psicologia, Formação Transdisciplinar-Holística e Curso Básico de Educação em Valores Humanos. Belém /PA.
Contato: esperanzza@manamani.org.br

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